Entrando pela porta dos fundos: Como hackear mercados saturados sem ser engolido pelos líderes
3 estratégias que ninguém te conta para criar vantagem em setores que parecem fechados — sem queimar caixa, sem baixar preço, e sem virar cópia mal feita
“Luiz, esquece. Já tem trocentas startups fazendo isso.”
“Esse mercado é dominado por gigantes. Não tem espaço.”
“Imagina o quanto eu teria que gastar em marketing pra competir com esses caras...”
Se você está começando sua primeira startup agora, chances são que esse tipo de frase aparece toda semana — no seu grupo de WhatsApp, numa conversa de café ou até dentro da sua própria cabeça. Parece que todas as ideias boas já foram feitas, que todo mercado promissor já tem players milionários, e que entrar agora seria o equivalente a tentar abrir uma barraquinha de hambúrguer na frente de uma McDonald’s.
Aqui vai uma provocação: e se o problema não for o mercado estar cheio — mas sim a forma como você está olhando pra ele?
O mito do “oceano saturado” engana porque te faz acreditar que mercado é uma coisa estática. Que existe uma fatia limitada, ocupada por players grandes, e que seu único caminho de entrada seria cortar o preço, inventar um diferencial técnico revolucionário ou levantar milhões pra bater de frente com o status quo.
Eu digo isso depois de acompanhar dezenas de startups — não é apenas sobre o tamanho da oportunidade. É sobre ângulo de visão.
Mercado não é uma sala lotada de gente onde não cabe mais ninguém. Mercado é mais como um campo de visão. Todo player grande tem um ponto cego. Vários, na verdade. Eles estão tão ocupados tentando escalar, manter estrutura, agradar acionista e sobreviver à próxima rodada de corte de custos que deixam uma porção de portas entreabertas. Portas pequenas, estreitas, que não parecem grandes o bastante pra eles entrarem — mas que, pra quem está começando, são entradas perfeitas.
É por essas frestas que as startups inteligentes passam. Não gritando mais alto. Mas sussurrando na frequência que só um grupo específico consegue ouvir.
Esse ensaio é pra você que está de frente com um mercado competitivo e não quer virar mais um clone genérico. Aqui você vai aprender 3 estratégias práticas que vi funcionarem na vida real. E não são hacks de Growth, nem buzzwords de evento. São formas testadas de entrar em mercados “fechados” sem precisar de guerra de preço, sem virar apêndice de plataforma e sem depender de marketing viral.
A primeira vai te mostrar como resolver uma dor tão específica que ninguém grande se deu ao trabalho de atacar.
A segunda vai te ensinar a crescer em cima de plataformas que os grandes ainda não entenderam direito.
E a terceira vai mudar sua forma de vender: não com feature, mas com visão.
Se você está começando sua startup agora, aqui vai meu convite: esquece o desespero de escalar e foca em entrar do jeito certo. Às vezes, a diferença entre falir em seis meses ou tracionar com consistência é só uma questão de por qual porta você decidiu entrar.
A cunha invisível: Ganhe confiança resolvendo o micro
Estratégia 1: Focus Wedge – Entrando por onde ninguém presta atenção
Você não precisa construir um produto inteiro pra começar. Na real, às vezes construir o “produto inteiro” é exatamente o que te mata.
Tem founder que começa a startup tentando fazer um clone funcional de um gigante — “a nossa versão do Salesforce”, “o Uber da área médica”, “um Notion para freelancers”. A ideia parece boa, mas o problema está na premissa: você quer ser uma alternativa “completa”, sendo que ninguém te conhece, ninguém confia em você ainda, e a concorrência já tem anos de vantagem, times, capital e base instalada.
Resultado? Você entra na briga errada. Gastando tempo, código e capital pra ser mais um na comparação funcional. E o cliente nem sempre tem paciência pra isso.
Agora, muda o cenário: e se ao invés de entrar oferecendo o sistema inteiro, você criasse uma solução super específica para um micro-problema que os grandes ignoram — mas que, pra uma parcela do mercado, atrapalha a vida todos os dias?
É isso que chamamos de Focus Wedge. A “cunha” que entra onde nada mais entra, porque resolve uma fricção tão pontual e dolorosa que o cliente não resiste a testar. Não exige reimplementação. Não força onboarding complicado. Não precisa de vendedor insistente.
Imagine isso como a diferença entre tentar vender um carro inteiro pra alguém que nem te conhece… ou oferecer uma chave que destrava exatamente o porta-malas que essa pessoa tenta abrir todo dia — e nunca consegue.
O caso da Jetdocs
A Jetdocs, uma startup canadense, entrou no mercado ultra competitivo de help-desk, onde gigantes como Zendesk e Freshdesk dominam. Mas eles não tentaram competir em funcionalidade. Nem em preço.
Em vez disso, observaram um detalhe do comportamento dos usuários: muitos times internos (RH, financeiro, TI) já viviam dentro do Slack ou Microsoft Teams. Mas pra abrir um ticket interno? Tinham que sair do ambiente, logar numa plataforma externa, e lidar com processos engessados.
A Jetdocs criou uma mini-ferramenta que permitia aos funcionários fazer requisições dentro do próprio chat, em segundos — aprovações de despesas, pedidos de férias, acesso a sistemas. Um fluxo tão micro que Zendesk nem olhava. Mas pro usuário final, isso resolvia 80% da frustração diária.
Eles não prometeram ser “o novo Zendesk”. Prometeram eliminar o atrito escondido no lugar onde o usuário já estava. Isso é wedge.
Ou seja…
Mapeie o workflow do cliente, passo a passo. Pergunte: onde há fricção diária ignorada? Qual micro dor ninguém quer resolver, mas o time sente toda hora?
Desenvolva um MVP que resolve o problema em minutos. Literalmente. Se exige treinamento, já não é wedge. Pense em algo tão simples que o cliente consiga testar no mesmo dia, sem pedir aprovação.
Defina a métrica da cunha. Qual o impacto visível e imediato? “Reduzimos o tempo de liberação de verba em 60%.” “Eliminamos três formulários do processo de onboarding.” Pequenas vitórias, grande tração.
Se o cliente olhar pra sua solução e disser:
"Nossa, achei que ninguém nunca ia resolver isso..."
Parabéns. Você achou sua cunha.
A beleza do wedge? Depois que você entra com ela, pode começar a expandir. Porque agora você tem confiança, caso de uso real, e ponto de partida legítimo. Foi assim com a Jetdocs. E pode ser com você também.
Surfe na infraestrutura que os líderes de mercado ignoram
Estratégia 2: Platform Piggyback – Crescer onde a plataforma te carrega no colo
Se você é pequeno, não tente construir sua própria estrada. Pegue carona em quem já abriu caminho.
Essa é a essência do Platform Piggyback: em vez de criar um império do zero, você constrói em cima de uma infraestrutura em ascensão — um marketplace, uma API, uma comunidade de desenvolvedores ou até uma rede social emergente — e se posiciona como a maneira mais rápida e simples de explorar o valor daquela plataforma.
É como montar um carrinho de cachorro-quente dentro de um estádio lotado. Você não precisa trazer o público. Você só precisa saber onde ele já está indo — e o que está faltando lá dentro.
A oportunidade que os gigantes não veem
Players grandes demoram. Eles têm times pesados, backlog infinito, medo de errar e comitês de decisão lentos. Quando surge uma nova infraestrutura no mercado — como uma API pública de uma fintech, um novo padrão de integração logística, ou um ecossistema de e-commerce que ainda está amadurecendo — os grandes não pulam logo. Eles analisam. Planejam. Esperam a estabilidade.
E é nesse vácuo de tempo que os pequenos nadam de braçada.
Você não precisa ser o dono da plataforma. Só precisa ser o atalho favorito de quem quer usar ela.
O case da Pomelo
A Pomelo, startup argentina, soube aproveitar o crescimento do Banking-as-a-Service na América Latina. Mas em vez de criar um banco digital próprio, eles criaram SDKs que simplificavam absurdamente a criação de fintechs.
Traduzindo: você quer criar um banco digital no Brasil ou México? Com a Pomelo, você configura, integra e opera em semanas. Antes disso, isso levava meses (ou anos), com um caos regulatório e técnico que matava qualquer founder antes do MVP.
Enquanto os bancões estavam ocupados lidando com sistemas legados e projetos internos, a Pomelo virou “a camada de execução moderna” sobre a infraestrutura antiga. Resultado? Um boom de bancos digitais, todos usando a Pomelo por baixo do capô.
Eles não tentaram disputar na mesma categoria dos grandes. Criaram uma nova — e a plataforma empurrou junto.
Olhando para dentro…
Escolha uma plataforma emergente — mas que já tenha tração. Não adianta apostar num terreno vazio. O ideal é encontrar aquele momento em que a comunidade já existe, mas ainda carece de boas ferramentas de apoio. Pode ser um novo padrão de API, uma nova rede social ou até um novo fluxo regulatório no seu setor.
Construa o caminho mais curto entre a dor e o valor. Seu produto precisa ser o atalho. Pense em SDKs, templates, automações, extensões — qualquer coisa que elimine complexidade para o usuário final. Você vira o modo fácil de usar uma coisa poderosa.
Não vire um apêndice. Crie dados e valor próprio. Muitos produtos falham nesse modelo porque vivem à sombra da plataforma. Se ela muda as regras, morrem juntos. O segredo é usar os dados que você coleta na interface com o usuário pra criar inteligência própria. Algo que só você sabe. Isso te dá autonomia e poder de barganha.
Alem disso, pense no co-marketing
Se você resolve um gargalo que atrapalha a expansão da plataforma-mãe, ela tem todo interesse em te ajudar a crescer. Isso pode significar espaço em canais oficiais, cases conjuntos, visibilidade em eventos, ou até investimento direto.
Ao contrário do que muita gente pensa, a plataforma não é seu inimigo. Ela pode ser seu megafone.
O segredo é chegar antes do rebanho. Ser o primeiro a plantar onde os gigantes ainda nem olharam.
Venda uma boa proposta antes do melhor produto
Estratégia 3: Narrativa Invertida – Liderar a conversa, não o comparativo de features
Você entra numa call com um possível cliente. Antes mesmo de terminar sua frase de apresentação, ele já pergunta: “E quanto custa?”
Ou pior: “Ah, legal. Mas o concorrente faz isso também, né?”
Se isso soa familiar, provavelmente você está vendendo do jeito que o mercado espera. Ou seja: comparável, copiável e negociável.
A estratégia da narrativa invertida nasce exatamente pra quebrar esse padrão. Ela não começa pela funcionalidade. Nem pelo preço. E, definitivamente, não pela comparação. Ela começa por uma visão de mundo.
Você apresenta não o que você faz — mas por que sua existência é inevitável diante de uma mudança estrutural que já está em curso. Algo que, se o cliente ignorar, vai custar caro. Não em dinheiro — mas em atraso, risco, reputação ou futuro.
Quando você acerta essa narrativa, o efeito é mágico: o cliente te escuta como se você fosse um conselheiro estratégico. Não um fornecedor. Você sai da planilha e entra na reunião de diretoria.
O caso da Sourceful
A Sourceful, uma startup do Reino Unido, entrou no mercado logístico — talvez um dos mais saturados do planeta. Mas em vez de tentar competir com frete mais barato ou gestão de estoque mais eficiente, eles apresentaram uma tese: “O futuro da cadeia de suprimentos é de baixo carbono, monitorado em tempo real.”
Essa afirmação, sozinha, não tem nada de técnico. É uma visão. Mas ela carrega peso. Porque conversa com executivos pressionados por ESG, investidores preocupados com imagem, e reguladores olhando carbono como nova moeda.
A Sourceful então ofereceu uma solução tangível, mas dentro dessa narrativa: uma plataforma plug-and-play para monitoramento ambiental na cadeia de suprimentos. Não era a funcionalidade que seduzia. Era o fato de estar “preparando a empresa para o futuro inevitável”.
Enquanto os concorrentes falavam de eficiência operacional, a Sourceful falava de sobrevivência institucional. Quem você acha que o C-level ouviu?
Siga essas passos…
Formule a mudança inevitável. Pode ser regulatória, ambiental, social ou de comportamento do consumidor. Use dados públicos, sinais fracos, relatórios de tendência. Nada de “o mercado vai crescer 20% até 2030” — isso todo mundo fala. Procure o “E se…?” que ninguém está dizendo em voz alta.
Mostre o risco de ignorar. O custo de não agir precisa ser maior que o preço do seu produto. Pense em impacto de imagem, perda de mercado, ou travas operacionais. O medo, usado com responsabilidade, é um ótimo vetor de atenção.
Ofereça um primeiro passo tangível. Não adianta só assustar. Mostre como começar pequeno: um piloto de 3 semanas, uma análise rápida, um plugin, um experimento. O objetivo é dar tração imediata dentro de uma visão de longo prazo.
Vire autoridade no tema. Publique. Grave. Opine. Participe de painéis e eventos. A narrativa só ganha força se você parecer o porta-voz legítimo daquela tese. Se outro concorrente tentar copiar, vai parecer forçado. Você chegou antes.
O invisível: barreira na mensagem
Diferente da feature, a narrativa é difícil de copiar. Se um concorrente tentar colar sua tese, vai parecer atrasado, incoerente ou oportunista. Isso te dá tempo, posicionamento e margem.
Lembre-se: no início da jornada de uma startup, você não precisa que o mercado inteiro acredite em você. Só precisa dos primeiros 10 que digam: “isso aqui faz sentido demais”. E nada faz mais sentido do que algo que parece inevitável.
Escolha suas batalhas — Entre pela porta menos óbvia
Você chegou até aqui e talvez ainda esteja com aquele pensamento:
“Tá, mas qual dessas estratégias eu uso? Como eu sei qual é a certa?”
A resposta é: depende da dor, do timing e da estrutura que você tem agora.
Se você já sabe que existe um microproblema que ninguém grande quer resolver, vá de Cunha (Focus Wedge). Você pode entrar pequeno, validar rápido e começar a construir autoridade dentro de um fluxo esquecido. É a forma mais “bootstrappable” de todas — e a mais difícil de ignorar se bem feita.
Se você identificou uma plataforma em ascensão — uma nova API, um ecossistema regulatório em mutação, ou um canal com crescimento subestimado — talvez sua vantagem esteja em surfar essa onda antes dos gigantes, com a estratégia do Platform Piggyback. Aqui, o segredo é velocidade e foco: se posicionar como a ponte entre o usuário final e o valor escondido da plataforma.
Agora, se você enxerga uma transformação inevitável no seu mercado — algo estrutural, regulatório, ambiental ou cultural — então talvez seja hora de assumir a voz da mudança com a Narrativa Invertida. Não se vende uma feature. Se lidera uma tese.
Um cuidado importante: não tente fazer as três ao mesmo tempo.
Muitos founders pecam por tentar “atacar todos os flancos”. Misturam narrativa com plataforma com wedge, e acabam diluindo foco, clareza e mensuração. Lembre-se: no começo, foco não é limitação. É multiplicador.
Escolha uma. Faça com profundidade. Se ela funcionar, as outras virão organicamente depois — com mais caixa, mais dados, mais tração e mais confiança do mercado.
Um exercício prático de 30 minutos
Pra encerrar, quero te deixar com um exercício simples, direto e transformador. Tudo o que você vai precisar é de uma folha em branco (ou um slide em branco no Notion, não julgo).
Escreva sua proposta atual em uma frase. Aquela frase-padrão do pitch.
Agora reescreva a mesma proposta em três versões distintas:
Versão Wedge: “Resolvo ___ que atrasa ___ todos os dias.”
Versão Piggyback: “Faço ___ funcionar em minutos na plataforma ___.”
Versão Narrativa: “Preparar ___ para um futuro onde ___ será inevitável.”
Leve isso para suas próximas 3 conversas com clientes ou investidores.
Observe: qual das três faz os olhos da outra pessoa brilharem? Qual provoca reação visceral?
É esse caminho que você deve seguir primeiro.
Não é sobre espaço. É sobre perspectiva.
O mercado que parece saturado é, na verdade, cheio de portas destrancadas que ninguém quis abrir ainda. Os grandes estão ocupados demais. Lentos demais. Presos demais às próprias fortalezas.
Você, como founder de primeira viagem, carrega algo poderoso: liberdade estratégica.
Use essa liberdade pra entrar pelas brechas. Resolver o que ninguém quer. Falar o que ninguém está dizendo. E crescer de onde ninguém está olhando.
Nos vemos quinta-feira na edição da Kamelo sobre “Down-round cultural” e como proteger seu time quando a maré vira.
Boa sorte na sua entrada pela porta menos óbvia.
Nos vemos por aqui na quinta!
— Luiz Gomes
Excelente artigo!