Armadilhas da validação: Solution bias, data confirmation e falhas comportamentais
Mesmo founders experientes podem validar errado. Entenda os vieses invisíveis que distorcem suas hipóteses, mascaram aprendizados e comprometem a evolução do seu produto.
Validar uma solução é um dos pilares mais importantes no desenvolvimento de uma startup. Mas aqui vai uma verdade desconfortável: quanto mais avançada sua jornada, mais difíceis ficam os erros de perceber — e mais disfarçados eles se tornam.
Já ouviu aquela frase "a experiência pode ser uma armadilha"? Em validação, isso acontece o tempo todo. Fundadores que já têm um bom repertório de mercado, que já validaram outros produtos ou até captaram investimento com uma tese sólida, às vezes tropeçam exatamente porque confiam demais no que "sempre funcionou".
Hoje quero te convidar a uma conversa honesta sobre três armadilhas de validação que vejo repetidamente no campo. Vamos falar sobre como elas se manifestam, por que são perigosas e o que dá pra fazer de forma prática para evitá-las.
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O viés da solução (solution bias)
Essa é uma das armadilhas mais sorrateiras. E a mais comum também.
Você tem uma hipótese. Tudo certo até aqui. O problema é que, sem perceber, você começa a estruturar todo o processo de validação para confirmar que a sua hipótese está certa — e não para descobrir se ela realmente faz sentido.
Isso é o que chamamos de solution bias.
Como perceber esse viés:
Você entrevista alguém e pergunta: “Você usaria uma ferramenta que faz X?”
Você desenha um MVP para mostrar funcionalidades incríveis, mas não testa se a dor que ele ataca é real.
Você recebe muitos “nossa, genial” — mas ninguém realmente usa, paga ou recomenda.
Esse viés é tão comum porque dá conforto. Validar a própria ideia parece confirmar que o tempo investido valeu a pena. Mas é só um eco. Um reforço ilusório.
Para combater esse viés:
Faça entrevistas exploratórias focadas em contexto e rotina do usuário, não na sua solução.
Pergunte: “Me conta como você resolve isso hoje?” ou “Qual foi a última vez que esse problema aconteceu?”
Antes de mostrar qualquer solução, entenda a jornada completa da dor.
Uma dica valiosa: deixe a solução por último. Às vezes você vai descobrir que ela nem era necessária. Outras vezes, você vai enxergar um ângulo mais valioso do que aquele com o qual começou.
A confirmação seletiva de dados (data confirmation)
Sabe quando você começa a ver o que quer ver nos números? Isso acontece até com os times mais analíticos.
Alguns exemplos reais:
Um aumento de 7% no engajamento vira “prova” de que o novo onboarding funcionou — sem considerar outras mudanças simultâneas.
Um feedback positivo de três clientes vira pitch para investidores.
Um pico de conversão num canal é tratado como tendência, quando pode ter sido um ruído.
Esse viés é o que chamamos de confirmation bias. E ele se intensifica quando há pressão externa — de sócios, investidores, prazos, ansiedade.
Para evitar isso:
Tenha hipóteses de invalidação tão claras quanto as de validação.
Use coortes (grupos segmentados ao longo do tempo) para entender comportamento com profundidade.
Combine dados quantitativos com contexto qualitativo: o que os números não mostram?
Lembre-se: dados não são verdades absolutas. Eles precisam de interpretação crítica. E é nessa interpretação que mora o verdadeiro aprendizado.
As falhas do comportamento (internas ou externas à startup)
Aqui o buraco é mais fundo, porque mexe com o lado humano da validação.
Falha internas à startup:
Falta de contraste: o time agrupa todos os feedbacks como “bons” ou “ruins” sem nuances.
Otimismo automático: qualquer dado positivo vira desculpa para avançar.
Escolhas por conveniência: “vamos testar isso porque é mais fácil de lançar”, mesmo que não seja o teste mais útil.
Falha externa à startup:
Desejo de agradar: ninguém quer ser o “chato” que critica a ideia do empreendedor.
Respostas impulsivas: muitas vezes respondem com base na emoção do momento.
Dificuldade de projetar o uso real: dizer “eu usaria” é fácil, usar mesmo, é outra história.
Como contornar isso:
Rode testes com ações reais: uso, pagamento, engajamento em tarefas reais.
Documente com rigor a diferença entre intenção e comportamento.
Mapeie objeções com cuidado. Muitas vezes, o que não é dito é o que importa.
E, acima de tudo: crie um espaço seguro para o time dizer “isso não funcionou”. Validar bem exige humildade organizacional.
Uma provocação adicional: Você está validando para aprender ou para confirmar?
Essa é a pergunta que costumo fazer quando estou conversando com startups que parecem presas à fase de validação há tempo demais e se vêem próximas a uma falha fatal para o negócio.
Se o aprendizado não está gerando mudanças nas estratégias, decisões e no roadmap, talvez você esteja apenas buscando a confirmação do que já acredita e estar sendo sugada(o) para um erro quase irreversível.
Se os dados aparecem sempre num tom positivo e os resultados não aparecem, talvez você esteja se protegendo da dor de descobrir que algo está errado e que precisa focas no novo.
Validar é, antes de tudo, abrir mão de estar certa(o).
Validação é um hábito estratégico, não uma etapa
As melhores validações que vi não vieram de frameworks prontos.
Vieram de times que criaram rituais consistentes para ouvir o mercado com atenção. Que mantêm viva a curiosidade mesmo depois do produto lançado. Que reformulam a hipótese ao menor sinal de ruído — não para agradar o investidor, mas para construir algo melhor.
Validar é um processo contínuo. É tão importante no começo da jornada quanto no pós product-market fit. Se a sua startup quer crescer com base em verdade de mercado, e não em suposição, uma validação bem executaqda é o lugar para começar.
Se esse texto te ajudou a repensar como sua startup segue validando as oportunidades, compartilha com alguém que está no mesmo momento.
Nos vemos na próxima quinta com mais um papo incrível com um fundador de startup!.