Da filosofia aos boletos: como Vinícius Santos transformou 40 milhões de boletos em vantagem competitiva
Como a Conta Comigo Digital conquistou bancos, utilities e 67 milhões de usuários simplificando o que ninguém queria mexer: boletos. Uma história real de validação, pivot B2B e escala com propósito.
Em um mundo obcecado por inovação disruptiva 🤷♂️, Vinícius Santos decidiu mirar no óbvio: os boletos que todo precisamos pagar (e quase sempre esquecemos). Foi justamente aí que encontrou a oportunidade que mudou tudo.
A Conta Comigo Digital, fintech fundada em 2022 como spin-off da antiga Contaí, já processa mais de 40 milhões de boletos por mês para 67 milhões de usuários ativos no Brasil. Em dezembro de 2024, a empresa anunciou uma rodada seed de R$ 3,25 milhões, liderada pela Urca Angels. Um feito impressionante, mas construído com método, persistência e muitas portas fechadas antes dos aplausos.
Essa é uma história sobre encontrar o mercado certo, na hora certa — com um produto que resolve uma dor invisível, mas gigantesca. E é também uma aula para quem está construindo algo agora, enfrentando a realidade de produtos que ainda não decolaram.
Boletos são “chatos”, mas pagam as contas
Foi em 2017 que Vinícius começou a prestar atenção em um número que não fazia sentido: mesmo com o avanço do cartão, do PIX e das carteiras digitais, os boletos continuavam sendo responsáveis por mais de 30% das transações financeiras no país.
“Quando eu dizia que queria construir uma empresa em cima do boleto, muita gente me olhava como se fosse loucura”, lembra. Mas para quem vem de uma formação em filosofia e já tinha rodado empreendimentos anteriores, esse tipo de resistência era sinal de oportunidade.
Vinícius enxergou o que poucos queriam olhar de perto: o boleto é a espinha dorsal do pagamento de contas no Brasil, especialmente nos setores essenciais como luz, água, gás, telefonia e tributos. E é justamente por isso que ele costuma atrasar — ou ser esquecido.
A proposta da Conta Comigo Digital foi simples, mas poderosa: automatizar a entrega desses boletos dentro do app bancário dos usuários, eliminando fricções e reduzindo a inadimplência. Uma conexão direta entre concessionárias e bancos — sem que o consumidor precise sequer lembrar do vencimento.
Bootstrap, validação e paciência: o início com R$ 20 mil
Antes da rodada seed, antes dos milhões de boletos processados, havia um empréstimo de R$ 20 mil — e a certeza de que era preciso validar o problema na prática.
Vinícius reuniu um time mínimo (um front, um back e um designer) e colocou o produto na rua. Sem anúncios, sem growth hacking, sem pitch em evento de inovação. Apenas boca a boca e funcionalidades reais para resolver o problema real de milhares de brasileiros. Resultado? Mais de 40 mil usuários 100% orgânicos em dois anos de operação B2C.
“Esse período de validação foi fundamental. Com pouco dinheiro, a gente se obrigou a ser mais claro sobre o que funcionava e o que não funcionava no produto”, explica.
Essa base foi o que sustentou os próximos passos — especialmente a virada estratégica que mudaria tudo.
O pivot B2C → B2B: como o jogo mudou?
Apesar dos bons números entre usuários finais, Vinícius percebeu que o custo de escalar a operação B2C seria alto demais. Campanhas de aquisição, suporte direto ao consumidor, margem estreita — tudo isso sinalizava a necessidade de rever o modelo.
Foi quando a CCD deu seu principal passo estratégico: pivotar para o modelo B2B. Em vez de servir diretamente o consumidor, a fintech passaria a ser infraestrutura para bancos e concessionárias.
A nova proposta era clara: usar a tecnologia já desenvolvida para conectar operadoras de serviços públicos e instituições financeiras, garantindo entrega automatizada e organizada dos boletos na conta bancária dos usuários.
Com o suporte da AWS, a CCD passou a processar mais de 3 milhões de boletos por hora, superando a média nacional de geração de boletos estimada pela Febraban em 460 mil por hora.
Esse passo também abriu as portas para clientes estratégicos, como TIM, Aegea e diversas prefeituras, que passaram a usar a plataforma para garantir eficiência operacional e reduzir inadimplência.
Vender para empresas gigantes: menos pitch, mais ROI
Vender inovação para empresas tradicionais não é como apresentar um pitch para um fundo. O que move essas organizações não é o “disruptivo”, mas o ROI, a previsibilidade e o compliance.
Vinícius aprendeu isso na prática: “Concessionária não compra inovação — compra solução para problemas de arrecadação, fraude e reconciliação bancária”, explica. “Então a conversa tinha que ser muito mais sobre o que a CCD resolve do que sobre como ela é inovadora.”
Essa abordagem deu certo. A CCD foi conquistando clientes cada vez maiores e, com isso, aumentando sua atratividade no ecossistema.
Mas esse tipo de tração precisa de fôlego. Era hora de captar.
A rodada seed (depois de cinco captações menores)
A chegada do cheque de R$ 3,25 milhões em 2024, liderada pela Urca Angels, foi celebrada — mas também foi consequência de uma estratégia paciente.
Antes disso, Vinícius estruturou cinco mini captações: três rodadas anjo com smart money, uma rodada com investidores corporativos experientes em infraestrutura e um reforço final pré-seed.
“Fazer captação demais antes de ter clareza sobre o modelo pode matar a startup. A gente preferiu crescer devagar, mas com aprendizado em cada rodada”, reflete.
Agora, com a rodada seed consolidada, o plano está em plena execução: escala técnica, crescimento da equipe e expansão comercial nacional.
O papel do CEO: barriga no balcão e mãos no código
O Vinícius que hoje lidera uma fintech com dezenas de milhões de usuários é o mesmo que assinou o primeiro contrato CLT da empresa — e que demitiu o primeiro colaborador quando precisou. A liderança na CCD é vivida como responsabilidade direta, não como glamour.
“Meu papel é ser um filtro. Eu entendo o suficiente de jurídico, produto, comercial e tecnologia pra fazer as perguntas certas — e pra garantir que a gente mantenha ritmo e consistência mesmo em fases difíceis”, explica.
Essa proximidade com a operação é parte da cultura da empresa. Nenhuma área é deixada em piloto automático. E isso reflete na velocidade de aprendizado.
Por que a CCD encontrou o product-market fit
A combinação de clareza de problema, capacidade técnica e estratégia de canal transformou a CCD em uma empresa com forte product-market fit. Veja por que:
Lições para fundadores de qualquer setor
A trajetória de Vinícius e da CCD traz aprendizados valiosos, mesmo para quem atua em setores completamente diferentes:
Dores invisíveis costumam esconder grandes oportunidades. Se ninguém está falando sobre um problema, não significa que ele não existe.
Validar com poucos recursos cria fundadores mais eficientes. Crescer sem glamour força foco.
Pivô não é fracasso — é estratégia. Mudar de B2C para B2B salvou o modelo e multiplicou o impacto.
Venda valor, não inovação. Especialmente no B2B, resolver um problema importa mais do que ser disruptivo.
Captação deve ser consequência, não ponto de partida. Levantar dinheiro sem clareza pode ser um atalho para o abismo.
O futuro do boleto — e da CCD
Ao contrário do que se imagina, o boleto não está morrendo. Está mudando. A CCD aposta que os próximos anos trarão integração com carteiras digitais, uso intensivo de dados no Open Finance, e maior automação no fluxo de pagamento e arrecadação.
Vinícius quer que a CCD seja a infraestrutura que sustenta essa nova era dos boletos — sem que o usuário precise pensar muito nisso. Porque, no fim do dia, a melhor inovação é a que resolve e desaparece.
Se você é founder, olhe com carinho para aquilo que o mercado considera “chato demais” para inovar. Talvez seu próximo produto esteja ali — no meio das contas vencidas, dos processos esquecidos ou das planilhas escondidas.
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Nos vemos por aqui na segunda!
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