Em um mercado latino-americano marcado por sistemas legados, instituições lentas para inovar e desafios de integração tecnológica, a Lerian surge como uma anomalia desejável. Fundada no final de 2023 por Fred Amaral, a startup quer redesenhar a base sobre a qual instituições financeiras operam. E não é discurso: a Lerian já captou quase R$20 milhões em sua fase pre-seed e colocou no mercado o primeiro ledger open source para core banking da América Latina, o Midaz.
Mas a história da Lerian é também a história de Fred. Um fundador com base técnica, vivência de mercado e uma clareza brutal sobre o papel que quer exercer. Na conversa que tivemos para o Papo de Founder, mergulhei na trajetória do Fred, nos fundamentos da Lerian, nas estratégias de captação e, sobretudo, no tipo de liderança que ele exerce.
Se você é founder de startup e quer entender como visão de produto, posicionamento e execução estratégica podem andar juntos sem perder a alma do negócio, este texto é pra você.
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Um founder que vem do lado de dentro
A jornada do Fred Amaral começa cedo, ainda na infância em Goiânia, programando aos 8 anos. Mas o que poderia ser uma trajetória linear de desenvolvedor virou algo mais híbrido e potente: Fred trocou a Engenharia da Computação por Economia e se jogou de cabeça no mercado financeiro em São Paulo.
De estagiário no SPIN (São Paulo Institute of Finance) a quase uma década atuando em M&As e IPOs em bancos como Deutsche Bank, BTG e Actial, Fred acumulou o tipo de experiência que poucos fundadores de infraestrutura possuem: visão estratégica de negócios e habilidade de navegar grandes corporações. Como ele mesmo resume, sua carreira até 2016 foi toda moldada no universo dos bancos de investimento.
Mas foi quando decidiu voltar para a tecnologia, ainda em 2016, que a virada empreendedora começou a se desenhar. Atuando em grandes empresas como a Móbile e o Uber, Fred passou a liderar projetos de construção de serviços financeiros para motoristas, antecipando uma onda que só se consolidaria anos depois: o Banking as a Service.
É nesse período, entre 2017 e 2018, que ele tenta empreender pela primeira vez com uma ideia que acabou se tornando a Dock. Sem conseguir levantar capital sozinho, acabou embarcando no projeto por meio da Conductor, onde teve liberdade e protagonismo para construir o business. A fusão entre Conductor e Dock selou esse ciclo, e plantou a semente do que viria a ser a Lerian.
Lerian: o sistema operacional da nova geração de fintechs
A Lerian nasce da tese de que o core bancário tradicional é uma âncora que impede o avanço das fintechs em uma nova fase de maturidade. Se a primeira geração de fintechs no Brasil surfou na infraestrutura de parceiros como Dock, Swap e outros players de BaaS, a nova leva precisa de independência, performance e flexibilidade. E, principalmente, de controle.
É nesse espaço que o Midaz, ledger open source da Lerian, entra como protagonista.
Com arquitetura em microsserviços, sistema de double-entry imutável e suporte a múltiplos ativos e moedas, o Midaz elimina a dependência de sistemas fechados e permite que instituições financeiras (de fintechs a bancos digitais) tenham autonomia total sobre sua infraestrutura.
Mais do que um produto, o Midaz é uma plataforma com ecossistema de plugins que ampliam seu uso, indo de Pix a CRM, e são responsáveis por boa parte da monetização da Lerian. Mas o mais importante: o Midaz é pensado como código aberto, ou seja, pode ser auditado, customizado e adaptado por qualquer time técnico.
Na prática, a Lerian está criando um novo tipo de sistema operacional para empresas que querem sair da dependência de terceiros e operar como instituições reguladas. Um core bancário moderno, interoperável, e com distribuição baseada em colaboração.
O desafio de comunicar um produto tão técnico
Como construir uma ponte entre uma proposta altamente técnica e os decisores não técnicos de empresas financeiras?
Esse é, segundo o Fred, o maior desafio da Lerian hoje. Se conquistar os times técnicos foi surpreendentemente fácil (graças à familiaridade com Postgres, Mongo, Terraform e práticas de open source), vender o Midaz para CFOs e executivos ainda exige um esforço grande de alinhamento de discurso.
A solução adotada pela Lerian é simples e eficaz: falar com cada público no idioma certo.
No site, há áreas pensadas para desenvolvedores, com documentação, GitHub e instruções técnicas – e outras voltadas ao mercado, com linguagem clara e foco em benefícios de negócio. Mais do que isso, a estratégia é formar champions dentro das empresas: os próprios times técnicos defendem a Lerian internamente, criando um efeito de mobilização genuíno.
Essa maturidade de comunicação revela outro traço do Fred como fundador: ele sabe exatamente qual papel desempenha e quando precisa entrar no detalhe. Seu modelo de gestão é baseado em confiança no time, intervenções pontuais e foco em remover obstáculos.
Captação com estratégia e intencionalidade
Ao contrário do fracasso vivido em 2017, a rodada de 2023 da Lerian foi bem-sucedida e com méritos. Foram quase R$ 20 milhões levantados ainda no estágio pre-seed, sem produto no mercado, mas com uma tese clara, time técnico robusto e um plano de desenvolvimento muito bem articulado.
O segredo? Fred resume com franqueza: “Eu sabia que falar de open source no Brasil era um desafio, então construímos o pareto antes da rodada”. Ou seja: colocaram recursos próprios para desenvolver uma base funcional antes de pedir dinheiro ao mercado.
A estratégia de captação também foi pensada para acelerar canais de monetização. Com o investimento, a Lerian estruturou uma biblioteca de plugins pagos, adicionando novas linhas de receita. O suporte técnico 24/7, por exemplo, virou produto premium. E há planos futuros para um modelo SaaS completo.
A clareza sobre como o dinheiro seria usado foi determinante para convencer investidores. “Você precisa saber onde vai colocar esse dinheiro em termos de força motriz da startup. Aqui, essa força é produto”, diz Fred. E completa com uma provocação importante: “As maiores cagadas que cometi foram quando eu tinha dinheiro demais. A gente perde o founder mode”.
O papel do CEO quando o jogo é técnico e estratégico
A última parte da nossa conversa foi sobre o papel do CEO, especialmente em startups de base técnica como a Lerian. E, como tudo na trajetória do Fred, a resposta veio com honestidade rara no ecossistema:
“Eu sou zero micromanagement 90% do tempo. Mas os 10% em que entro no detalhe, entro pra valer.”
Fred não faz planos anuais nem trabalha com OKRs rígidos. Ele prefere operar com base em restrições: saber o que não quer fazer é tão importante quanto saber para onde quer ir. Isso permite adaptação constante, sem perder direção.
Outro ponto marcante: ele não tem ambição de ser o CEO de uma empresa com 500 ou 1000 pessoas. “Essa gestão não é pra mim. Se chegar esse momento, eu viro individual contributor e vou ser feliz na minha caverna.”
É essa visão de autoconhecimento, alinhada com execução disciplinada, que torna o modelo de liderança do Fred tão potente. Ele sabe quando puxar, quando soltar, e como manter o time em estado de performance sem sufocar o processo criativo.
O que fundadores podem aprender com essa história?
A trajetória do Fred e da Lerian entrega aprendizados práticos para fundadores de startups, especialmente os que estão criando soluções técnicas ou B2B:
Domine o que você quer transformar: o Fred não criou a Lerian para “fazer um produto legal”. Ele está mexendo na infraestrutura central do sistema financeiro latino-americano com base em vivência real.
Construa antes de pedir: desenvolver parte da solução antes da rodada pré-seed foi uma jogada estratégica que garantiu credibilidade e tração mesmo sem receita.
Fale com quem importa, do jeito certo: a Lerian usa comunicação segmentada e aposta em champions técnicos para destravar vendas complexas.
Não perca o founder mode: crescer exige estrutura, mas o controle da essência precisa estar com o founder. E isso passa por decisões racionais, mesmo com o caixa cheio.
Assuma seus limites: saber que seu perfil é ideal para fases iniciais e que o jogo corporativo não te interessa é mais força do que fraqueza. É honestidade estratégica.
A Lerian está apenas começando. Mas a combinação entre um produto técnico robusto, uma estratégia clara de monetização e um fundador com visão e autoconhecimento coloca a startup em um caminho raro: o de fundar um novo mercado, não apenas um novo produto.
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— Luiz
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